Começou assim, sem querer, como quase tudo sempre começa. A sua presença foi esvaziando aos pouquinhos na minha vida, como um balão de aniversário. E de repente, escapou das minhas mãos e sumiu inteira, de vez. De repente não era só eu desmarcando aqueles nossos compromissos marcados há séculos. As ligações também foram diminuindo, os e-mails entraram em extinção e nem pela internet nos falávamos mais. A desculpa era sempre o cansaço do trabalho, a loucura que as nossas vidas haviam se tornado, a correria, a chuva, o trânsito, o aquecimento global. Eram tantas justificativas que não serviam para justificar mais nada além do óbvio. Do inesperado, do desconfortável, do terrível e do indizível. Estava tudo bem em nos afastarmos. Afastar, aliás, era um grande eufemismo. Nos afastamos tanto que perdemos o referencial, nos perdemos um do outro, nem podíamos mais nos enxergar de longe. Estávamos tão distantes quanto a Terra e o Sol, mas entre nós não haviam bilhões de estrelas. O que havia era só o abismo. Imenso, profundo e vazio. Acho que apenas uma palavra conseguiria servir de ponte entre nós dois. Mas naquela época, já não tínhamos mais palavras para dar ao outro. Só existia o silêncio, o abismo e nós dois, vivendo em nossos próprios mundos. E o triste mesmo é que não havia tristeza nenhuma. A nossa saudade toda virou nada e eu, que vivia acostumada a ter você tão perto de mim, grudado na minha pele com olhos, mãos e boca, finalmente consegui aprender a ser só. Só eu, não a metade da sua laranja, não meio sozinha, nunca metade de mim mesma. Inteira e completa. Completamente esquecida de você.